A filosofia já trazia explicações sobre o fogo. Heráclito atribuía ao fogo o elemento transformador, da constante mudança e mutação da vida. Não é permanente, tudo se desfaz. É uma definição que funciona para a metáfora do fogo no livro de Itamar Vieira Júnior. O consagrado autor de Torto Arado parece que trouxe a continuidade de uma história que se passa no sertão baiano, com personagens semelhantes e seus conflitos sociais e particulares.
Salvar o Fogo tem Luzia de Paraguaçu como personagem principal. É pelos olhos dela que a gente vê a maior parte da história ser contada. Mas o foco narrativo muda. O início do livro é narrado por Moisés, o “Menino”, que tem importância fundamental na ideia de que a única certeza da vida é a sua impermanência.
Mas tem também Maria Cabocla, Mundinho e Alzira. Além do abade Dom Tomás.
Muito mais do que o foco na dualidade entre negros e brancos, explorados e exploradores, homens maus e bons, o livro traz a riqueza da transformação, de como o fogo produz o fim das coisas, a inexistência.
Mostra como pessoas simples podem ter personalidades complexas. Como a mudança sonhada de lugar pode se tornar uma mudança de postura diante do mundo e suas injustiças. E como o fator religioso, de uma hierarquia soberana de uma fé imposta, pode perpassar a vida das famílias de uma maneira intensa e violenta.
“A violência era traiçoeira e poderia vir travestida de afeto. Poderia habitar os olhos do benfeitor sem que percebêssemos. Quase sempre era justificada por boas intenções, por compaixão e redenção. Às vezes poderia ser uma promessa de sorte, adoração, deslumbramento, ocultando as sementes da loucura e da danação”